
Saímos nas bancas, quando temos tempo para isso, para procurar por qualquer coisa interessante. Pessoas engajadas na política provavelmente escolherão uma Istoé, uma Veja, etc. Homens com menos cérebro procurarão por uma Playboy. Otakus e parecidos procurarão por mangás, quadrinhos. Mulheres procuram por uma Nova, uma Marie Claire, às vezes convictas de que estão manifestando sua emancipação na sociedade, sua equiparação ao homem, sua liberdade. Ah, que ilusão boba. É sobre essas mulheres que falo hoje. Mal sabem elas que, talvez mais que nunca, estão assumindo os mesmos papéis esteriotipados que lhes impuseram séculos antes. E depois dizem que o feminismo acabou. Talvez tenha acabado, mas não deveria, porque ainda é necessário, e com urgência. Sob uma máscara de “igualdade”, as mulheres estão aceitando a discriminação caladas, estão elas mesmas contribuindo para seu rebaixamento na sociedade.
A mulher é vista por ela mesma como objeto sexual, concorda com isso a partir do momento em que quer seguir essas “regras”. Na revista, aplausos ao comentário grosseiro de Jorge Amado: "uma mulher pode ser feia de aparência, pior de formas, mas se a boca do corpo for de chupeta, trata-se de diamante puro”. Ah, como é admirável e singela a descoberta: a mulher é uma vagina. Simples, né? O filme Perfume de Mulher, com título pretensamente elogioso a nosso gênero, é o mesmo em que Al Pacino tenta explicar seu amor às mulheres falando de todas as partes no corpo delas que o excitam, por fim declarando que só há uma palavra no mundo, “xota”. Lindo, não é? E é mais revoltante porque nós achamos isso normal, rimos desse fato deprimente. Nas revistas, dicas de ousadias sexuais, até mesmo técnicas para proporcionar mais prazer (a ELE), e todos os tipos de depravações que traduzem ainda mais claramente a visão global de que a mulher está presa a seu corpo, assim como o homem.
Nos anúncios, estão implícitas as alusões à subordinação feminina, a seu papel como dona do lar. Os temas das reportagens para mulheres? Consumo, beleza, moda, cozinha e casa, família, sexo, homens. Parece que não temos capacidade de falar em política, em religião, sociedade, literatura, tecnologia... O comportamento ideal feminino aparentemente gira em torno das palavras: sedução, maternidade, submissão, altruísmo, abnegação. A mulher de verdade, para Adélia Prado, é aquela que sabe dizer “sim”, que sabe se curvar. Essa ilustríssima autora (que declara se sentir como “homem” quando escreve, pois vê a criatividade como um atributo masculino), tão célebre em seus discursos feministas quanto Jorge Amado o foi no trecho citado, tem “vergonha” dos direitos da mulher, acredita que eles a inferiorizam, enquanto ser humano. Bem, acho que esses mesmos direitos não são nada, enquanto instrumento de “inferiorização”, frente a uma mentalidade como a dela. Ah, mas não tenho pretensão de criticar esses dois autores. Eles não são nada, quando há tantos outros, cuja reputação sempre relembram. Freud, Rousseau, Hegel, Lombroso, Nietzsche, Schopenhauer... a lista é interminável. É claro que o machismo está enraizado em nossa cultura. É claro que não é fácil, mesmo para as mais esclarecidas das mulheres, libertar-se dessa ideologia. Mas aceitar passivamente tudo isso já é o extremo oposto. Mesmo que seja difícil, e mesmo que não obtenhamos o total sucesso, é preciso ao menos tentar. Feminismo não é coisa de lésbica, de mulher mal-amada. Feminismo é coisa de mulher que realmente deseja a independência, que deseja se libertar finalmente do homem que ainda limita e circunda seu mundo. Não acreditem que existe uma oposição entre o feminismo e o feminino, como insistem em pregar por aí. Não acreditem que ter atitudes libertárias é ser infeliz. É tudo retórica do discurso machista.
Não é tão fácil, também, porque visivelmente há uma grande repressão para com os homens. Eles têm que ser fortes, machões, viris, brutos, beberrões. Se não, são boiolas, gays, viados, frutas, bichas. Ainda assim, frente às mulheres, são superiores, ou pelo menos buscam por isso. Entre suas fantasias sexuais, a do estupro. A da mulher que de início diz “não” e depois não resiste ao “gostosão”. Mulher pra casar? Só as boazinhas, quietinhas, tímidas, naturais, sem “mania de independência”. Eles não querem ter dor de cabeça, né, afinal, são os guerreiros exaustos que chegam em casa para descansar, para encontrar a mesinha feita por sua mulher afetuosa. Ou escrava, melhor dizendo.
Os direitos da mulher podem ser, sim, discriminatórios, mas são necessários enquanto permanecer essa mentalidade. É para ensinar o bê-a-bá a quem ainda insiste em não aprender. E não acredito estar sendo contraditória (posto que sou contra a política de cotas), porque para mim a questão do gênero é mais complexa que a da cor (antes que eu seja mal interpretada, deixem-me apenas dizer que não acho que as cotas representam para os negros o mesmo que os direitos das mulheres, para elas. Só estou tentando me defender de possíveis acusações de contradição). É muito mais fácil, muito mais visível para a compreensão que a simples pigmentação não interfere de qualquer forma na capacidade intelectual, física, etc. Entre homens e mulheres, entretanto, há diferenças biológicas muito mais gritantes, e há também a relação íntima e complexa que desenvolvem, que de alguma forma contribuiu para construir essa idéia de “cada macaco no seu galho”. Não sei desde quando exatamente sobreveio o machismo, nem o motivo para isso, mas às vezes fico pensando que a a força física tenha sido fator determinante, se tudo ocorreu quando ainda vivíamos nas cavernas, etc. O homem descobriu que podia colocar medo nas mulheres, para subordiná-las, e também ameaçar seus inimigos, de modo que foi conquistando suas “propriedades”, aos poucos: sua terra, sua comida, sua(s) mulher(es), seus filhos.
E à medida em que se desenvolveu a sociedade, à medida em que a força física foi perdendo sua importância, o homem criou outras desculpas para justificar sua hegemonia, dentre elas a de que a mulher é um ser lascivo e incontrolável, que deve ser “domesticado”, de modo a alcançar uma espécie de santidade. (Vide Bíblia)
E voltamos aos nossos dias, tempos mais avançados, nos quais a mulher já alcançou a emancipação. Será mesmo? Ou continua tudo do jeito que era antes, mas sob outros disfarces? Eu acredito que seja o segundo caso.
De qualquer forma, o que me inspirou para falar sobre isso, hoje, foi esse texto:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392001000300010&lng=pt&nrm=iso#tx6Eu só digo uma coisa. Muito provavelmente eu não conseguirei me libertar completamente do machismo arraigado em toda minha criação e crescimento, mas tem umas coisas que eu jamais vou admitir. Não vou colocar o sobrenomezinho de meu maridinho (se é que terei um, porque não faço a mínima questão) no meu, a não ser que ele aceite colocar também o MEU sobrenome no dele (HÁ! Eu quero só ver!). Não vou ser escrava dos pratos e do fogão, do tanque e da vassoura. Não vou engolir machismo: é divórcio NA HORA. Não vou me rebaixar para um macho alfa, não vou suprimir minha vontade só para cumprir minha “função social” do que quer que eu venha a ser como mulher: mãe, esposa, trabalhadora. Egoísmo? Que seja. Mas não vou me doar aos outros, perder meu tempo com essas coisas de família e casamento, não enquanto eu não alcançar o que quero de minha vida, meus “sonhos”, ou melhor, meus objetivos - o que certamente não envolve me enfurnar para sempre em uma casa e rastejar sozinha para cuidar dela.
(Foto: Maria da Penha)